Indébito tributário: em que momento devo tributar o crédito oriundo de demanda judicial?

Inovações oriundas da Solução de Consulta n. 183/2021

Por Deborah Mendes — , 11 de January de 2022
Em: IRPJ/CSLL

No desempenho da atividade empresarial, podem surgir situações em que há o recolhimento indevido de tributos e, por conseguinte, a necessidade de demanda judicial para reaver o indébito tributário.

Reconhecido o direito do contribuinte através de sentença, o crédito oriundo do pagamento indevido poderá ser reavido por meio de restituição, com a execução da sentença na via judicial, ou por compensação, na via administrativa. Nesse momento, aparece a dúvida do contribuinte: em qual momento devo reconhecer e tributar os valores recuperados?

Tais perguntas já são feitas há um bom tempo e ainda não existe uma resposta exata, diante de posicionamentos diversos no âmbito administrativo e judicial. O ponto crucial das discussões é: qual o momento em que ocorre a disponibilidade jurídica necessária para atrair a tributação dos valores?

Historicamente, o posicionamento predominante na Receita Federal era de que os valores repetidos deveriam ser tributados no momento do trânsito em julgado da sentença exarada no processo judicial.

O imbróglio principal era o desconhecimento, nessa ocasião, do valor do crédito alcançado, considerando que grande parte das sentenças proferidas são ilíquidas, ou seja, não indicam o valor do crédito reconhecido.

Na realidade, a decisão que declara o direito à compensação, via de regra, apenas assegura o direito potestativo do contribuinte a compensar o indébito tributário, não tendo o condão de liquidar o montante que poderá ser efetivamente compensado. Dito de outra forma, o contribuinte tem o direito resguardado, mas não sabe o “tamanho” dele.

Dessa maneira, há quem defenda que o momento mais adequado para a tributação seria na habilitação do crédito ou, ainda, no momento da entrega das declarações de compensação.

De fato, a liquidação do crédito pelo contribuinte será feita no momento de sua habilitação na via administrativa, nos termos da Instrução Normativa RFB n. 2.055/2021.

Contudo, há que se observar que, embora o contribuinte possa calcular o indébito tributário para a habilitação do crédito, o despacho de deferimento da habilitação não “implica reconhecimento do direito creditório, nem homologação da compensação”, conforme disposição expressa da legislação[1].

Inclusive, no caso de posterior declaração de compensação não homologada pela Receita Federal, há imposição de multa de 50% sobre o débito objeto de compensação[2], o que gera certa insegurança sobre os valores apurados.

Nessa perspectiva, seria possível entender que o momento adequado para a tributação é o da homologação da declaração de compensação, a qual pode se dar em até cinco anos da entrega da declaração.

A par dessas discussões, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta n. 183, em 07 de dezembro de 2021, estabelecendo um novo posicionamento para os casos em que ainda não tenha havido a liquidação do numerário no momento da sentença.

Em tais situações, a partir de agora, o valor do indébito a ser recuperado deve ser oferecido à tributação no momento da entrega da primeira declaração de compensação.

O entendimento referido traz um cenário mais positivo para o contribuinte, já que considera a disponibilidade jurídica da receita, apta a atrair a incidência de tributos.

A despeito disso, o novo entendimento ainda é alvo de discussões. Isso, porque a Receita afirma que o valor a ser tributado é o valor total a ser compensado, ainda que a declaração de compensação seja parcial. Desse modo, mesmo que o contribuinte leve anos para aproveitar o valor do crédito conquistado, o tributo sobre o valor total do indébito deve ser recolhido de uma vez só.

Sobre o assunto, ressalta-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais já se manifestou em oportunidades pretéritas à Solução de Consulta n. 183/2021, indicando que a disponibilidade jurídica apta a atrair a tributação do indébito restaria perfectibilizada no momento da entrega de cada uma das declarações de compensação oriundas do crédito obtido por demanda judicial. Veja:

Assunto: Processo Administrativo Fiscal
Ano-calendário: 2007, 2008, 2009, 2010, 2011
DECADÊNCIA. SENTENÇA CONTRA UNIÃO QUESTIONADA EM AÇÃO RESCISÓRIA. CRÉDITO DECORRENTE DE AÇÃO JUDICIAL. FATO GERADOR. DISPONIBILIDADE JURÍDICA. LIQUIDEZ E CERTEZA.
Por depender de evento futuro e incerto, o fato gerador de crédito em discussão judicial somente se considera ocorrido quando da sua disponibilidade jurídica, assim entendido o momento em que o mesmo torna-se líquido e certo, se não houver qualquer contestação de seu montante (quantum debeatur) na esfera judicial. Havendo sentença condenatória ilíquida, inclusive com determinação de se processar primeiro as compensações, a sua disponibilidade jurídica para efeito de contagem do prazo decadencial se deu no momento da compensação, adaptando-se a aplicação do regime de competência ao caso concreto, para que as receitas sejam reconhecidas à medida em que o sujeito passivo contabiliza essas compensações, procedimento este inclusive ratificado pelo próprio contribuinte em sua escrita contábil na medida em que também reconheceu tais montantes compensados como receita contábil, embora os tenha excluído do lucro real. (Processo n. 19515.722229/2012-71, Acórdão n. 9101-003.141, julgado em 04/10/2017)

Observa-se, portanto, que há precedente administrativo ainda mais benéfico do que o trazido pela Solução de Consulta n. 183/2021, já que o tributo sobre o valor total do indébito poderia ser recolhido à medida que as compensações fossem realizadas.

Todavia, como sabemos que as Soluções de Consulta têm efeito vinculante no âmbito da Receita Federal, podemos resumir o cenário atual em duas hipóteses: (i) se a sentença for líquida, a tributação dos valores deve ocorrer no momento do trânsito em julgado da sentença; (ii) se for ilíquida, a tributação do valor total deve se dar no momento da entrega da primeira declaração de compensação, ainda que esta seja parcial.

O posicionamento da Receita é recente e mais benéfico ao contribuinte do que era anteriormente. Porém, ao que tudo indica, muitos contribuintes continuarão buscando o melhor momento para a tributação do indébito na via judicial.


[1] Art. 104 da IN 2.055/2021.

[2] Art. 74, §17 da Lei 9.430/1996.