Dedução dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL: existe limite temporal?

Confira os requisitos legais para a dedução dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL

Por Deborah Mendes — , 10 de março de 2022
Em: IRPJ/CSLL

A lei n. 9.249/1995 estabeleceu a possibilidade de dedução dos juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio (JCP) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as pessoas jurídicas optantes pelo lucro real.

A referida dedução ocorre uma vez que os juros citados são considerados como custo ou despesa operacional do contribuinte, os quais, como se sabe, podem ser deduzidos na apuração do IRPJ e da CSLL, nos termos dos artigos 45[1] e 47[2] da lei n. 4.506/1964 e do artigo 398[3] do Regulamento do Imposto de Renda.

Nesse liame, observa-se que a lei n. 9.249/1995 cuidou de indicar todos os requisitos legais necessários para que o JCP pago/creditado pudesse ser deduzido da base de cálculo dos tributos mencionados, quais sejam: a necessidade de existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Além disso, o JCP deve ser calculado sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP, ficando sujeitos à incidência do Imposto de Renda retido na fonte, à alíquota de 15%, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

Nota-se, portanto, que não há qualquer limitação temporal em relação ao período de referência do cálculo do JCP e o respectivo pagamento para fins de dedução dos valores. Prova disso é que a própria lei menciona como condição do pagamento apenas a existência de lucros ou de lucros acumulados e reserva de lucros. Veja a redação do parágrafo 1º do artigo 9º da lei n. 9.249/1995:

Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Não obstante, a Receita Federal impõe a observação do regime de competência para a dedução em discussão. Ou seja, afirma que somente podem ser deduzidos os juros sobre capital próprio pagos ou creditados no ano-calendário em que foi apurado o JCP.

Esse entendimento está fundamentado no artigo 75, §4º da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017[4], bem como o artigo 29 da Instrução Normativa n. 11/1996[5]. Ressalta-se que vários Autos de Infração são lavrados com base nisso e, antigamente, eram confirmados pelos tribunais.

Ocorre que a referida limitação, bem como as autuações nela embasadas, não têm fundamento legal, visto que atos infralegais, como são as Instruções Normativas, não podem limitar ou modificar o disposto nas leis tributárias.

É nesse ponto que o direito do contribuinte se torna evidente. Isso, pois aceitar como válida a limitação imposta pela Receita Federal significa coadunar com patente violação ao Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal[6], bem como ao Princípio da Legalidade Estrita, estabelecido no artigo 97 do Código Tributário Nacional[7].

Nesse sentido, o direito do contribuinte à dedução do JCP pago/creditado em qualquer momento, independente da observação ao regime de competência, vem sendo reconhecido pelos tribunais, tanto na seara administrativa quanto judicial.

É o que demonstra recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na qual foi reconhecida a licitude da dedução feita na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos anos-calendário de 2002 e 2003, dos juros sobre capital próprio calculados em relação a períodos anteriores. [8]

A decisão foi clara ao afirmar que a dedução em comento “não está submetida, condicionada ou limitada ao regime de competência, podendo ser feita a redução de tais valores da monta do lucro tributável, efetivamente pagos ou creditados, ainda que referentes a apurações de períodos anteriores”.

O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou a favor do contribuinte, nos autos do Recurso Especial n. 1.951.674/SP[9], confirmando que a legislação de regência do JCP não impõe qualquer limitação temporal e, assim, permite que a dedução dos juros ocorra em período posterior aquele em que for apurado lucro pela empresa.

Em suma, o cenário é o seguinte: a lei prevê o direito do contribuinte à dedução em comento; a Receita Federal autua o administrado, com base nas Instruções Normativas mencionadas; e os tribunais costumam reconhecer a ilegalidade da autuação, confirmando o direito das empresas.

Dessa forma, os contribuintes que já foram autuados podem e devem apresentar defesa e buscar o direito estabelecido pela lei, tanto na seara administrativa, quanto na judicial, tendo em vista o posicionamento favorável dos tribunais.

Noutra senda, há também a possibilidade de adotar-se uma postura mais diligente, a partir da utilização de uma medida judicial preventiva, para evitar os problemas oriundos de uma autuação fiscal indevida e garantir o gozo de seu direito sem maiores preocupações.

Releva mencionar, ainda, a possibilidade de requerer o a restituição de eventuais créditos existentes no período prescricional, por meio de ação judicial.

À vista disso, o melhor é analisar o caso concreto, para, a partir das especificidades do cliente, definir a estratégia adequada e buscar da resolução mais efetiva.  


[1] Art. 45. Não serão consideradas na apuração do lucro operacional as despesas, inversões ou aplicações do capital, quer referentes à aquisição ou melhorias de bens ou direitos, quer à amortização ou ao pagamento de obrigações relativas àquelas aplicações.

2º Aplicam-se aos custos e despesas operacionais as disposições sobre dedutibilidade de rendimentos pagos a terceiros.

[2] Art. 47. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e a manutenção da respectiva fonte produtora.

1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.
2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.

[3] Art. 398. Sem prejuízo do disposto no art. 13 da Lei nº 9.249, de 1995 , os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo ou despesa operacional, observado o disposto nesta Subseção.

[4] Art. 75. Para efeitos de apuração do lucro real e do resultado ajustado a pessoa jurídica poderá deduzir os juros sobre o capital próprio pagos ou creditados, individualizadamente, ao titular, aos sócios ou aos acionistas, limitados à variação, pro rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e calculados, exclusivamente, sobre as seguintes contas do patrimônio líquido:

[...] §4º A dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do §2º.

[5] Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas.

[6] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[7] Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

[8] Acórdão n. 9101-005.810 – CSRF/1ª Turma do CARF, Processo n. 10950.006120/2007-10, julgado em sessão do dia 06/10/2021.

[9] Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 17/08/2021.