Em 18 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário nº 1.335.293.
A matéria submetida à Corte, que se tornou o tema 1195, diz respeito à possibilidade de o percentual de multas fiscais punitivas não qualificadas em razão de sonegação, fraude ou conluio, ser fixado em montante superior ao valor do tributo devido.
O recurso extraordinário que levou a controvérsia ao STF foi interposto pelo Estado de São Paulo em face de acórdão do Tribunal de Justiça estadual. Na decisão recorrida, o TJ-SP reduziu multa punitiva aplicada pelo Estado por considerá-la confiscatória, uma vez que fixada em valor superior a 100% do tributo.
Em suas razões, o Estado argumenta que a multa em questão está prevista expressamente em norma jurídica, de modo que somente pode ser afastada, ainda que parcialmente, por meio da declaração de inconstitucionalidade da referida norma. Sustenta, ademais, que o entendimento pacificado no STF acerca do limite de 100% do tributo devido é restrito à multa moratória, não se estendendo à punitiva.
Ao asseverar a “densidade constitucional” da matéria, o Min. Luiz Fux, relator, destacou que compete ao STF definir os “parâmetros para o limite máximo do valor da multa fiscal punitiva”, evidenciando, ademais, o potencial impacto da discussão para os entes federativos e contribuintes.
A manifestação do Ministro deixa claro que o cerne da questão reside na aplicação do princípio do não-confisco, previsto no artigo 150, IV, da Constituição Federal[1], às multas tributárias. Em outras palavras, trata-se de determinar até que ponto uma multa punitiva não qualificada pode ser fixada sem que tenha efeitos confiscatórios.
Essa discussão não é nova na doutrina e jurisprudência brasileiras. Em suas origens, debatia-se que as multas tributárias sequer deviam obediência ao mencionado princípio, uma vez que a Constituição veda apenas a utilização de tributos com efeito de confisco, e as sanções não se enquadram no conceito de tributo.
Contudo, a despeito da opinião de alguns renomados doutrinadores no sentido da não aplicabilidade, a jurisprudência do STF consagrou a interpretação de que as multas tributárias também devem observar o princípio constitucional do não-confisco.
A propósito, são diversos os julgados do STF que buscaram fixar balizas quanto à aplicação de multas tributárias não confiscatórias, conferindo tratamento distinto para cada espécie de multa.
No caso das multas moratórias, que são aquelas devidas em razão do atraso no pagamento de tributos, restou decidido que não são confiscatórias quando fixadas no patamar de 20% (RE 582.461, tema 214), porém seus limites máximos ainda serão definidos no julgamento do RE 882.461, tema 816 de repercussão geral.
Salienta-se, oportunamente, que o STF já se manifestou em outra oportunidade sobre as multas moratórias (Ag. Reg. no Agravo de Instrumento nº 727.872/RS), ocasião em que estabeleceu limites percentuais máximos de 20% do valor do tributo.
Em relação às multas punitivas – aplicadas diante da prática de um ato ilícito -, existem relevantes julgados do STF que as consideram confiscatórias quando fixadas em patamar superior a 100% do valor do tributo (RE 833.106 – AgR; RE 602.686; ARE 1158977 AgR; ARE1.307.464-ED-AgR, entre outros), porém nenhum com repercussão geral reconhecida.
Diante dessa vasta jurisprudência e com o fim de harmonizar seu entendimento, o STF já havia reconhecido a repercussão geral do RE 736.090 (Tema 863), no qual analisará os limites da fixação de multa punitiva qualificada (decorrente de sonegação, fraude ou conluio) em face do princípio do não-confisco.
Ainda, no que se refere à multa isolada por descumprimento de obrigação acessória, o STJ julgará o RE 640452 (Tema 487). Nesse caso, não há inadimplemento, mas apenas o descumprimento de um dever instrumental que não implicou na omissão de pagamento do tributo.
Agora, com o mais recente reconhecimento da repercussão geral do RE 1.335.293 – Tema 1195, o STF se propõe a pacificar a discussão também para as multas punitivas não qualificadas, estabelecendo se estas podem ou não ser fixadas em patamar superior ao valor do tributo.
Para além do princípio do não-confisco, a questão será analisada à luz dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e separação dos poderes, e a tese fixada deverá ser aplicada aos demais casos sobre a mesma matéria, cuja relevância é inegável do ponto de vista econômico, político e jurídico.