A Lei Complementar nº 194/22, publicada em 23 de junho, alterou a legislação tributária nacional, a fim de classificar os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo como essenciais.
Com as alterações, o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) passou a estabelecer como limite para a cobrança do ICMS as alíquotas incidentes sobre as operações em geral nos entes federativos, atualmente variando em percentuais entre 17% a 18%.
Além disso, a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96) passou a prever a não incidência do imposto sobre serviços de transmissão, distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica, a exemplo da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD)[1].
Embora a Constituição Federal garanta que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário[2], o que implica dizer que a lei complementar produz efeitos imediatos, é necessária a adequação das legislações estaduais e distrital às novas disposições, a fim de garantir segurança aos contribuintes[3].
Qual a lógica jurídica na arrecadação do ICMS-Energia Elétrica?
É importante compreender que, para os fins legais, a energia elétrica é reconhecida como bem móvel e produto industrializado, adquirindo status de mercadoria sobre o qual incide o ICMS[4].
O tributo incide sobre a realização de operações relativas à circulação de energia elétrica, mas, considerando a impossibilidade de estoque, só há geração e circulação, concomitantemente, por ocasião do efetivo consumo.
Assim sendo, a base de cálculo é o valor da operação da qual decorra a entrega dessa mercadoria ao consumidor final, enquanto a responsabilidade pelo pagamento do tributo é das empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário[5].
Como os Tribunais Superiores analisam os limites da tributação sobre a energia elétrica?
Com efeito, as disposições da LC 194/22 consolidam o posicionamento predominante dos Tribunais Superiores a respeito da imposição de limites à tributação sobre a energia elétrica.
Há falar, de início, sobre a conclusão do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7117 e 7123 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 24/06/2022, ultimada com fundamento no precedente firmado no Recurso Extraordinário (RE) 714139 (Tema 745 da repercussão geral).
Nessa ocasião, assentou-se que, na hipótese de a lei estadual adotar a seletividade no ICMS de acordo com a essencialidade dos bens e serviços, as alíquotas incidentes sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação não poderiam ser maiores do que a incidente sobre as operações em geral.
Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou a controvérsia sobre a inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS (cadastrado como Tema 986), à luz da apreciação do REsp 1692023/MT, REsp 1699851/TO e do EREsp 1163020/RS sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, pendente de julgamento. A jurisprudência iterativa nessa Corte de Justiça se orienta no sentido de que o fato gerador do imposto é a saída da mercadoria, no caso, o momento em que a energia elétrica é consumida pelo contribuinte de fato.
De seu lado, as autoridades fazendárias argumentam que a formação do precedente de exclusão da TUST e TUSD da base de cálculo do ICMS pode causar perdas de receitas anuais estimadas em R$ 13,4 bilhões, ou quinquenais estimadas em R$ 67 bilhões[6].
Em 06/2022, ante as repercussões negativas da LC 194/22 sobre a arrecadação, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Distrito Federal ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7195 perante o STF. O escopo da discussão é a alegação de que o ônus imposto pela nova legislação compromete a continuidade dos serviços essenciais prestados à população.
Por que é importante para o contribuinte compreender as repercussões da publicação da LC 194/22?
Após a vigência da LC 194/22, o contribuinte não pode mais ser impelido ao pagamento de ICMS sobre a TUST e TUSD.
Sabe-se que muitos estados ainda não alteraram suas legislações. Entretanto, isso não é suficiente para impor ao contribuinte ônus expressamente afastado por lei geral.
Assim, é importante que a análise do caso concreto seja feito por profissional especialista a fim de garantir seus direitos e afastar qualquer tributação indevida.