A Constituição Federal do Brasil de 1988, em sua redação original, estabelecia que na incidência de ICMS sobre as operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado seria adotada: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário fosse contribuinte do imposto, e b) a alíquota interna, quando o destinatário não fosse contribuinte.
Nesse sentido, estabeleceu-se que, para as operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte, o ICMS era devido integralmente ao Estado de origem, enquanto nas operações e prestações destinadas a consumidor final contribuinte, caberia ao Estado de origem o ICMS calculado sobre a alíquota interestadual e ao Estado da localização do destinatário a diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, §2º, VII e VIII).
À vista disso e diante da ausência de lei complementar necessária à instituição e cobrança do ICMS e, consequentemente, do diferencial de alíquota (art. 34, §8º, do ADCT), os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICM nº 66/1988 para regular, de modo transitório, as normas gerais do ICMS. Observa-se que, durante a vigência do referido Convênio, alguns entes federativos estabeleceram a previsão legal de recolhimento do ICMS-Difal na entrada de bens oriundos de outros Estados.
Todavia, o referido convênio perdeu sua eficácia após a promulgação da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), que, atendendo à função de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (artigo 146, I, II e III, CF/88), permitiria aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (artigo 155, II, CF/88).
Ocorre que, nesse contexto, a Lei Kandir, de forma discricionária, foi silente a respeito do ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas na hipótese de consumidor final contribuinte, de forma que, uma vez sem validade e eficácia o Convênio ICMS nº 66/1988, verificava-se a impossibilidade de cobrança do diferencial de alíquota pelos entes federativos, pois ausente a sua regulamentação por lei complementar federal, ainda que existente lei estadual/distrital anterior relativa ao tema.
Em suma, nessa sistemática, o texto constitucional previa o diferencial de alíquota somente para as operações ou prestações envolvendo consumidor final contribuinte, de forma que, nas hipóteses relativas a consumidor final não contribuinte, o ICMS era devido integralmente ao Estado de origem.
Foi somente com a edição da Emenda Constitucional nº 87/2015 que se verificou a alteração do artigo 155, §2º, VII e VIII, da CF/88, de modo a prever a cobrança de ICMS-Difal nas operações e prestações interestaduais independentemente se destinada a consumidor final contribuinte ou não contribuinte do imposto, vejamos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto (…)
Disso, nota-se que a EC nº 87/2015 objetivava a repartição justa dos valores arrecadados a título de ICMS, independentemente se a operação ou prestação envolvesse consumidor final contribuinte ou não contribuinte do ICMS. Isso, porque, anteriormente, o ICMS recolhido em operações e prestações destinadas a consumidor final não contribuinte era integralmente destinado ao Estado de origem, de forma que o Estado do destinatário nada recebia.
Acontece que, em que pese a previsão constitucional para cobrança do diferencial de alíquota, a Constituição Federal apenas estabelece alguns critérios da regra-matriz de incidência tributária do ICMS-Difal, o que torna imprescindível a edição de lei complementar com o fito de regulamentar o diferencial de alíquotas tanto nas operações e prestações destinadas a consumidor final contribuinte do imposto quanto naquelas destinadas a consumidor final não contribuinte, tendo em vista a competência de lei complementar para estabelecer normas gerais acerca da definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos (artigo 146, I e III, “a” c/c artigo 155, §2º, XII, da CF/88).
Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no julgamento do RE 1287019 (Tema 1.093), com repercussão geral, no sentido de declarar a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-Difal nas operações interestaduais envolvendo consumidor final não contribuinte, tendo em vista a ausência de lei complementar regulamentando a hipótese.
Logo, utilizando-se da ciência hermenêutica, a qual estabelece que onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito, ou, onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir, também deve ser declarada a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidor final contribuinte do ICMS, tendo em vista a inexistência lei complementar dispondo sobre o imposto, conforme definido no Tema 1.093/STF.
A propósito, reforçando a necessidade de lei complementar, foi editada a Lei Complementar nº 190/2022, que alterando a Lei Kandir, visa regulamentar a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais, inaugurando-se a possibilidade legítima de os Estados e o Distrito Federal instituírem tal sistemática de cobrança em sua legislação ordinária.
Ainda, a esse respeito, para que a LC nº 190/2022 produza seus efeitos (artigo 150, III, da CF/88), necessária a observância do princípio da anterioridade (regra da noventena e da anterioridade nonagesimal), de modo que a cobrança legítima do ICMS-Difal somente poderia se iniciar a partir de 01/01/2023. Isso, se os Estados e o Distrito Federal tiverem editado ou editem legislação ordinária que passará a produzir efeitos com a entrada em vigor da Lei Complementar n. 190/2022, tendo em vista que o STF se manifestou no Tema 1.093 no sentido de que as leis estaduais que dispõem acerca do ICMS-Difal, embora válidas, permanecem em estado de latência até o advento da Lei Complementar regulamentadora, momento em que ganham eficácia.
Logo, a cobrança do ICMS-Difal nas operações e prestações interestaduais envolvendo consumidor final contribuinte ou não contribuinte do imposto somente pode se dar por meio da conjunção entre a LC nº 190/2022 e a lei estadual/distrital, observada a anterioridade por ambas as normas.