Na última quinta-feira (12/05), em plenário virtual do STF, o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nº 949.297 e nº 955.227 – Temas 881 e 885 de Repercussão Geral, respectivamente – foi interrompido após pedido de vista pelo Ministro Alexandre de Moraes.
A questão em debate diz respeito aos limites da coisa julgada em matéria tributária, mais especificamente sobre a possibilidade de a coisa julgada em relações tributárias de trato sucessivo/continuado ser afetada por decisão posterior do próprio STF, seja em controle concentrado ou difuso.
A relevância das teses a serem fixadas é inegável do ponto de vista econômico e jurídico, tendo em vista o potencial impacto nas contas e na segurança jurídica dos contribuintes.
A controvérsia
No campo da segurança jurídica, a coisa julgada consiste na garantia constitucional que impede a discussão e modificação de uma decisão de mérito transitada em julgado, isto é, aquela não mais sujeita a recurso, de modo a conferir-lhe definitividade. Visa, portanto, a assegurar estabilidade às prestações jurisdicionais definitivamente outorgadas.
No âmbito do direito tributário, a importância da coisa julgada reside na proteção do contribuinte contra eventuais arbitrariedades na atividade arrecadatória do Estado. Dessa forma, diante de determinada cobrança ilegal por parte do Fisco, o contribuinte que busca o Poder Judiciário e tem seu direito reconhecido deve ser salvaguardado pela certeza jurídica de que não mais sofrerá tal cobrança.
Contudo, tendo em vista a constante evolução do nosso ordenamento jurídico, é comum que uma decisão proferida em determinado período não esteja mais em conformidade com o contexto posterior. Fica evidente, diante desse cenário, o debate nada recente acerca dos limites temporais da coisa julgada. No âmbito do direito tributário, esse debate teve sua repercussão geral reconhecida e deve ser resolvido em breve pelo STF.
Os temas 881 e 885 tratam, respectivamente, dos efeitos dos julgamentos em controle concentrado e difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada em matéria tributária, relativa a relações tributárias de trato continuado.
No RE 949.297 (Tema 881), relatado pelo ministro Edson Fachin, discute-se a hipótese de uma decisão do STF, em controle concentrado (ADI, ADC ou ADO), fazer cessar os efeitos de decisão anterior transitada em julgada, proferida em controle difuso. Em outras palavras, trata-se de determinar se o julgamento do STF que, em controle abstrato, declara constitucional determinado tributo, pode interromper automaticamente a eficácia de determinada decisão individual transitada em julgado que havia considerado inconstitucional esse mesmo tributo.
No caso concreto, o contribuinte obteve decisão favorável, transitada em julgado em 1992, que reconheceu seu direito ao não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), em razão da inconstitucionalidade formal da Lei 7.869/1998. No ano de 2007, contudo, no julgamento da ADI 15, o STF declarou constitucional o mencionado tributo. Diante disso, a União entende que a contribuição pode ser lançada e cobrada automaticamente a partir do referido julgamento.
Já no RE 955.227 (Tema 885), relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, a questão consiste em definir se e como as decisões do STF em controle difuso fazem cessar os efeitos futuros da coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado, quando a sentença tiver se baseado na constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo.
Na hipótese em questão, o contribuinte também obteve decisão, já transitada em julgado, que afastou a exigibilidade da CSLL. Nesse caso, porém, a União defende que a eficácia da referida decisão teria cessado com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284 (controle difuso), julgado ainda em 1992, que reconheceu a constitucionalidade da lei instituidora da CSLL.
Votos e situação do julgamento
Em ambos os casos, os votos proferidos pelos relatores estabeleceram que as decisões do STF em matéria tributária, sejam em controle concentrado ou difuso, cessam automaticamente a eficácia de decisões inter partes anteriores já transitadas em julgado, diante da alteração na situação de fato ou de direito que sustentava tais decisões.
Segundo esse entendimento, o contribuinte que obteve decisão individual favorável transitada em julgado, reconhecendo seu direito ao não pagamento de determinado tributo, perde tal direito de forma automática diante de nova decisão do STF que declare constitucional a referida exação, sendo dispensável o ajuizamento de ação rescisória ou revisional.
A justificativa de ambos os Ministros, entre outras, é a de que a sentença individual, que tinha força de lei entre as partes, deve ser mantida somente enquanto inalteradas as situações de fato e direito, em observância à cláusula rebus sic standibus, sem que ocorra a vulneração à coisa julgada.
Em seu voto no RE 949.297 (Tema 881), o ministro Edson Fachin aduziu que o ordenamento jurídico pátrio autoriza a cessação da eficácia da coisa julgada. Afirmou, nesse sentido, que o controle concentrado de constitucionalidade tem aptidão para “alterar o estado de direito de relação tributária de trato continuado”, de modo que a decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde seus efeitos imediatamente após a nova decisão do STF.
Dessa forma, deu provimento ao recurso da União, determinando que a empresa recolha a CSLL a partir da decisão da ADI, observadas as anterioridades aplicáveis, e propôs a seguinte tese: “a eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão”.
Até o momento, acompanharam o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
No mesmo sentido, deu-se o voto do ministro Luís Roberto Barroso no RE 955.227 (Tema 885), defendendo que a eficácia das decisões que reputam determinado tributo constitucional ou inconstitucional também cessa diante de nova decisão do STF proferida em controle difuso de constitucionalidade. Para que isso ocorra, no entanto, o recurso extraordinário em questão deve ser julgado em sede de repercussão geral, segundo o ministro.
No caso concreto, como não se trata de repercussão geral, o relator votou contra a União para determinar que o contribuinte não seja obrigado a recolher o tributo cobrado, sendo acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Dias Toffoli. O ministro Gilmar Mendes divergiu parcialmente, por entender que o afastamento da coisa julgada pode ocorrer mesmo quando o julgamento se der fora da sistemática de repercussão geral.
Em relação à fixação da tese, todavia, Barroso foi parcialmente favorável à União, propondo o seguinte: “1) As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2) Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.
Nesse caso, o voto do relator e dos demais ministros que já se manifestaram – Dias Toffoli, Rosa Weber e Gilmar Mendes – foram favoráveis à União no que diz respeito à interrupção dos efeitos das sentenças transitadas em julgado quando da mudança de entendimento jurisprudencial pelo STF, a despeito da divergência parcial do Ministro Gilmar Mendes.
De qualquer forma, ambos os relatores concordaram que a mudança no entendimento do STF quanto a um tributo faz nascer um tributo novo para o contribuinte que se via salvaguardado pela coisa julgada, de modo que a ata de julgamento seria equivalente ao primeiro dia de vigência da norma, que deverá produzir efeitos somente após os períodos das regras da anterioridade de acordo com a espécie tributária em questão.
Com o pedido de vista pelo ministro Alexandre de Moraes, ainda não há previsão para conclusão de tão relevante julgamento. Não há dúvida, porém, de que seu resultado tem grande potencial de impacto sobre a segurança jurídica dos contribuintes.