ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações: a inesperada modulação de efeitos

STF modula os efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade para o exercício financeiro de 2024

Por Vitória Santos — , 23 de December de 2021
Em: ICMS

Há alguns dias, noticiamos o resultado do julgamento do tema de repercussão geral n. 745 pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da exigência de alíquotas majoradas de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações.

Naquela ocasião, aguardávamos o resultado do julgamento da modulação de efeitos, algo que tem ocorrido cada vez mais na seara tributária, ante os reflexos financeiros causados pelos julgamentos aos Entes Públicos.

Convém relembrar que no controle de constitucionalidade brasileiro, a decisão que declara a inconstitucionalidade de norma ou ato, em regra, produz efeitos retroativos, já que a norma “nasce” nula de pleno direito.

A justificativa para se afastar os efeitos retroativos é a de que, em determinadas situações, esteja-se promovendo mais a ordem constitucional ao se salvaguardar as alterações desencadeadas pela norma na realidade fática, do que se aplicando a regra da nulidade do ato normativo.

Em outras palavras, somente em observância à segurança jurídica e/ou ao excepcional interesse social[2], é permitida a modulação dos efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Para a limitação da retroatividade ou a atribuição de efeitos prospectivos ao novo precedente, além do requisito material mencionado, é necessário a observação de um critério formal, qual seja a necessidade de um quórum qualificado pela maioria de dois terços dos membros do STF.

A despeito disso, uma análise pragmática das últimas decisões tributárias do STF permite inferir que a leitura dos conceitos indeterminados “segurança jurídica” e “excepcional interesse social” tem sido marcada pelo interesse arrecadatório do Estado.

Ao invés de as decisões que declaram normas inconstitucionais ensejarem o direito de reembolso dos pagamentos indevidos, no período prescricional, aos Contribuintes, é o eventual impacto nas contas públicas que tem sido considerado preponderante para que se limitem os efeitos retroativos ou determinem que os efeitos sejam apenas prospectivos.

Estávamos observando que o STF entendia ser a publicação da ata de julgamento o ato que daria publicidade às suas decisões e, por conseguinte, funcionaria como marco temporal para a eficácia dos precedentes.[3]

Todavia, notamos que em casos de grande repercussão na arrecadação, o STF tem frustrado as expectativas dos Jurisdicionados ao realizar modulações de efeitos temporais totalmente inesperadas.

O julgamento do tema de repercussão geral n. 69 é um exemplo disso, tendo em vista que os efeitos da “Tese do Século” começaram a valer a partir de 15.03.2017, data de julgamento do mérito da ação.

Nesse caso, os Contribuintes que pagaram o ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS e que não ajuizaram ações questionando a cobrança antes da data da sessão na qual foi proferido o julgamento não puderam realizar a restituição do tributo pago indevidamente nos últimos cinco anos.

Mas algo pior ocorreu no julgamento do tema de repercussão geral n. 745: O STF antecipou o marco temporal para a eficácia do julgado, considerando-o a data de início do julgamento, 05.02.2021, não da data do julgamento do mérito da ação, 22.11.2021, ou, ainda, da publicação da ata de julgamento, 29.11.2021.

Assim, os Contribuintes que ajuizaram a ação da seletividade antes do julgamento de mérito, mas depois da data do início do julgamento, tiveram a legítima expectativa de que seriam beneficiados pelo precedente frustrada.

Pela primeira vez, uma decisão de inconstitucionalidade produzirá efeitos daqui a dois anos, valendo a partir do exercício financeiro de 2024.

Nesse sentido, ainda que as alíquotas de ICMS incidentes sobre energia elétrica e telecomunicações cobradas pelos Estados sejam incontestavelmente discrepantes do regramento constitucional da seletividade, é necessário que o Contribuinte que não ajuizou ação discutindo a questão continue efetuando os pagamentos para o bem do “equilíbrio orçamentário”.

Parafraseando Bastiat, “o que se vê” na referida modulação de efeitos é o rombo na receita pública e necessária provisão dos serviços públicos essenciais à sociedade.

Por outro lado, “o que não se vê” é que esse precedente abrirá portas doravante para outros que também desvalorizam o Sistema Tributário Nacional, tal como previsto na Constituição da República de 1988.

Ainda, “o que não se vê” é o impacto dos pagamentos indevidos na despesa privada, fundamental para o avanço dos setores produtivos, principalmente em época (pós-)pandêmica.

Desse modo, a modulação de efeitos do tema da seletividade pode ser considerada como um retrocesso à “irresponsabilidade do Estado”, pois embora sua conduta seja manifestamente incorreta, tem o apoio institucional para continuar infligindo os cidadãos sem sofrer nenhuma consequência por isso.

Feitas tais considerações, é importante mencionar que as oportunidades tributárias não cessaram. O que ficou mais evidente é que a melhor estratégia para as empresas é o posicionamento judicial precoce, ante o menor indício de que o tributo foi pago de forma indevida.

Se precaver, portanto, é se antecipar no ajuizamento das ações, a fim de que a recuperação dos tributos não esbarre em modulações de efeitos – cada vez mais inusitadas – feitas pelo STF.


[1] Lei n. 9.869/1999. Art. 27. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Lei n. 9.882/1999. Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

CPC. Art. 927, § 3°. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[2] (...). 1. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência reiterada no sentido de que o efeito da decisão proferida por este Supremo Tribunal, pela qual declarada a constitucionalidade ou não de lei ou ato normativo, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento. Precedentes. (...) (ADI 5439 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-078, DIVULG 26-04-2021, PUBLIC 27-04-2021)

(...). I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o efeito da decisão proferida pela Corte, que proclama a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento. II. - Precedente: Rcl 2.576/SC, Ellen Gracie, "DJ" de 20.8.2004. III. - Agravo não provido. (Rcl 3473 AgR, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005, DJ   09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-02 PP-00296 LEXSTF v. 28, n. 326, 2006, p. 239-243)

(...) 6. Modulação dos efeitos da decisão, estabelecendo-se que ela produza efeitos ex nunc a partir da publicação da ata de julgamento do mérito. Acolhendo proposta formulada pelo Ministro Roberto Barroso, ficam ressalvadas: “(i) as hipóteses em que o contribuinte não recolheu o ICMS; (ii) os créditos tributários atinentes à controvérsia e que foram objeto de processo administrativo, concluído ou não, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito; (iii) as ações judiciais atinentes à controvérsia e pendentes de conclusão, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito; Em todos esses casos, dever-se-á observar o entendimento desta Corte e o prazos decadenciais e prescricionais”. (ADI 5481, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084, DIVULG 03-05-2021, PUBLIC 04-05-2021)