Há alguns dias, noticiamos o resultado do julgamento do tema de repercussão geral n. 745 pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da exigência de alíquotas majoradas de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações.
Naquela ocasião, aguardávamos o resultado do julgamento da modulação de efeitos, algo que tem ocorrido cada vez mais na seara tributária, ante os reflexos financeiros causados pelos julgamentos aos Entes Públicos.
Convém relembrar que no controle de constitucionalidade brasileiro, a decisão que declara a inconstitucionalidade de norma ou ato, em regra, produz efeitos retroativos, já que a norma “nasce” nula de pleno direito.
A justificativa para se afastar os efeitos retroativos é a de que, em determinadas situações, esteja-se promovendo mais a ordem constitucional ao se salvaguardar as alterações desencadeadas pela norma na realidade fática, do que se aplicando a regra da nulidade do ato normativo.
Em outras palavras, somente em observância à segurança jurídica e/ou ao excepcional interesse social[2], é permitida a modulação dos efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Para a limitação da retroatividade ou a atribuição de efeitos prospectivos ao novo precedente, além do requisito material mencionado, é necessário a observação de um critério formal, qual seja a necessidade de um quórum qualificado pela maioria de dois terços dos membros do STF.
A despeito disso, uma análise pragmática das últimas decisões tributárias do STF permite inferir que a leitura dos conceitos indeterminados “segurança jurídica” e “excepcional interesse social” tem sido marcada pelo interesse arrecadatório do Estado.
Ao invés de as decisões que declaram normas inconstitucionais ensejarem o direito de reembolso dos pagamentos indevidos, no período prescricional, aos Contribuintes, é o eventual impacto nas contas públicas que tem sido considerado preponderante para que se limitem os efeitos retroativos ou determinem que os efeitos sejam apenas prospectivos.
Estávamos observando que o STF entendia ser a publicação da ata de julgamento o ato que daria publicidade às suas decisões e, por conseguinte, funcionaria como marco temporal para a eficácia dos precedentes.[3]
Todavia, notamos que em casos de grande repercussão na arrecadação, o STF tem frustrado as expectativas dos Jurisdicionados ao realizar modulações de efeitos temporais totalmente inesperadas.
O julgamento do tema de repercussão geral n. 69 é um exemplo disso, tendo em vista que os efeitos da “Tese do Século” começaram a valer a partir de 15.03.2017, data de julgamento do mérito da ação.
Nesse caso, os Contribuintes que pagaram o ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS e que não ajuizaram ações questionando a cobrança antes da data da sessão na qual foi proferido o julgamento não puderam realizar a restituição do tributo pago indevidamente nos últimos cinco anos.
Mas algo pior ocorreu no julgamento do tema de repercussão geral n. 745: O STF antecipou o marco temporal para a eficácia do julgado, considerando-o a data de início do julgamento, 05.02.2021, não da data do julgamento do mérito da ação, 22.11.2021, ou, ainda, da publicação da ata de julgamento, 29.11.2021.
Assim, os Contribuintes que ajuizaram a ação da seletividade antes do julgamento de mérito, mas depois da data do início do julgamento, tiveram a legítima expectativa de que seriam beneficiados pelo precedente frustrada.
Pela primeira vez, uma decisão de inconstitucionalidade produzirá efeitos daqui a dois anos, valendo a partir do exercício financeiro de 2024.
Nesse sentido, ainda que as alíquotas de ICMS incidentes sobre energia elétrica e telecomunicações cobradas pelos Estados sejam incontestavelmente discrepantes do regramento constitucional da seletividade, é necessário que o Contribuinte que não ajuizou ação discutindo a questão continue efetuando os pagamentos para o bem do “equilíbrio orçamentário”.
Parafraseando Bastiat, “o que se vê” na referida modulação de efeitos é o rombo na receita pública e necessária provisão dos serviços públicos essenciais à sociedade.
Por outro lado, “o que não se vê” é que esse precedente abrirá portas doravante para outros que também desvalorizam o Sistema Tributário Nacional, tal como previsto na Constituição da República de 1988.
Ainda, “o que não se vê” é o impacto dos pagamentos indevidos na despesa privada, fundamental para o avanço dos setores produtivos, principalmente em época (pós-)pandêmica.
Desse modo, a modulação de efeitos do tema da seletividade pode ser considerada como um retrocesso à “irresponsabilidade do Estado”, pois embora sua conduta seja manifestamente incorreta, tem o apoio institucional para continuar infligindo os cidadãos sem sofrer nenhuma consequência por isso.
Feitas tais considerações, é importante mencionar que as oportunidades tributárias não cessaram. O que ficou mais evidente é que a melhor estratégia para as empresas é o posicionamento judicial precoce, ante o menor indício de que o tributo foi pago de forma indevida.
Se precaver, portanto, é se antecipar no ajuizamento das ações, a fim de que a recuperação dos tributos não esbarre em modulações de efeitos – cada vez mais inusitadas – feitas pelo STF.