O aproveitamento de créditos de PIS e COFINS ainda hoje é objeto de inúmeros entraves judiciais. As disputas entre contribuinte e Fisco revelam diversos aspectos ainda indefinidos acerca da não cumulatividade e evidenciam a necessidade de pacificação pelos tribunais superiores.
Sabe-se que o escopo do regime não cumulativo, na forma prevista pelo §12 do art. 195 da Constituição Federal[1] – redação conferida pela Emenda Constitucional 42/2003, – é evitar a incidência em cascata das referidas contribuições. Isso se dá por meio do creditamento de valores relativos a determinados custos e despesas operacionais despendidos pelo contribuinte, que são deduzidos do montante de PIS e COFINS a ser pago.
Esse aproveitamento de créditos, contudo, está sujeito a alguns pressupostos estabelecidos pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que regulamentam o regime não cumulativo em âmbito infraconstitucional. Mais especificamente nos incisos do art. 3º de tais leis, estão elencadas as despesas sobre as quais o contribuinte pode tomar créditos, e são justamente esses dispositivos que suscitam as maiores controvérsias acerca do tema.
A principal delas foi resolvida pelo STJ há quase quatro anos, no julgamento do REsp 1.221.170, sob o rito dos repetitivos (Temas 779 e 780). Nessa ocasião, a Primeira Seção do Tribunal definiu que, para fins de creditamento, o conceito de “insumo” contido no art. 3º, inciso II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003[2], deveria ser aferido “à luz dos critérios de essencialidade ou relevância”. Em outras palavras, todos os bens e serviços que fossem imprescindíveis ou importantes para o desenvolvimento da atividade econômica poderiam ser considerado insumos.
Essa decisão afastou a interpretação restritiva conferida pela Receita Federal, declarando a ilegalidade da disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas 247/2002 e 404/2004 e, assim, ampliou as possibilidades de crédito para as empresas.
Não há dúvida, portanto, de que o julgamento do STJ representou uma importante vitória aos contribuintes. No entanto, como não existe um rol taxativo do que pode ser considerado insumo, o desafio dos julgadores tem sido determinar quais despesas preenchem os requisitos estabelecidos pelo Tribunal. Como consequência, novas demandas chegaram aos tribunais administrativos e judiciais, a fim de assegurar o direito das pessoas jurídicas ao creditamento de determinados itens.
É o caso, por exemplo, das despesas suportadas com taxas de cartão de crédito, implantação da LGPD, propaganda e publicidade e, mais especificamente no contexto da pandemia, aquisição de máscaras, álcool em gel e outros equipamentos de proteção. Apesar de existirem algumas decisões favoráveis aos contribuintes, esses temas ainda não contam com um posicionamento consolidado nos tribunais.
Além disso, é possível constatar um certo desequilíbrio entre os diferentes ramos de atividade, uma vez que ainda se observam manifestações da RFB e do CARF no sentido de limitar a apropriação de créditos sobre insumos às empresas prestadoras de serviços e industriais, em interpretação literal do inciso II do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03. Para as empresas comerciais, contudo, o creditamento seria restrito aos bens adquiridos para revenda, conforme disposição do inciso I do mesmo artigo.
Assim, apesar de a decisão do STJ ter sido considerada uma vitória aos contribuintes, muitas incertezas ainda permanecem. Por esse motivo, tanto as empresas quanto o Fisco aguardam ansiosos pelo resultado de outro julgamento, dessa vez pelo STF, que tem o potencial de alterar o panorama atual do creditamento de PIS e COFINS.
Trata-se do RE 841.979/PE, afetado à sistemática de repercussão geral em 2014 (Tema 756), em que será discutido o alcance do art. 195, §12, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da não cumulatividade à contribuição ao PIS e à COFINS.
Na origem, trata-se de mandado de segurança que visa à declaração do direito ao aproveitamento dos créditos de PIS/COFINS sobre todas as entradas de bens e serviços necessários às atividades da Impetrante. Isso, porque, de acordo com a contribuinte, a redação conferida pela EC 42/2003 ao §12 do artigo 195 da Constituição Federal teria atribuído sentido amplo à não cumulatividade.
Nesse contexto, ainda segundo a recorrente, o constituinte teria atribuído ao legislador ordinário apenas a tarefa de definir quais setores de atividades se sujeitariam à sistemática não cumulativa. No entanto, extrapolando o referido comando constitucional, as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 teriam estabelecido, em seu artigo 3º, verdadeiras limitações aos créditos de PIS e COFINS.
Diante disso, o STF deverá definir, à luz dos ditames da Constituição Federal, a validade dos critérios de aplicação da não cumulatividade previstos nas referidas leis federais.
A relevância desse julgamento fica clara quando se analisa seu alcance, que é bem mais amplo que o julgado do STJ. Este, afinal, limitou-se a discutir a conceituação do termo “insumo” disposto no inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, questão restrita à interpretação da legislação infraconstitucional.
O STF, por sua vez, tem a prerrogativa de julgar a constitucionalidade das referidas leis, no que diz respeito às limitações ao creditamento por elas impostas, e, assim, definir o núcleo fundamental do princípio da não cumulatividade.
Caso o Tribunal assegure o direito de crédito de forma ampla e irrestrita, os contribuintes poderão creditar-se de todas as despesas que concorram para a geração de receita em suas atividades. De qualquer modo, é inegável que a decisão terá enorme impacto tanto para o contribuinte, quanto para a União.
Contudo, enquanto o STF não se posiciona sobre o tema – uma vez que o julgamento foi retirado de pauta e ainda não tem nova data prevista -, constatam-se novas demandas sendo protocoladas diariamente a fim de resguardar o interesse dos contribuintes diante de eventual modulação.