Receita Federal mantém distinção entre tipos de softwares no cálculo do lucro presumido

A solução de consulta publicada é boa notícia para o contribuinte, mas pode sinalizar incerteza futura na discussão sobre a tributação das operações

Por Gustavo Roseira — , 24 de August de 2022
Em: Receita Federal do Brasil

Em 20/06/2022, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Disit n. 7.007, em resposta ao questionamento do contribuinte sobre a aplicação dos coeficientes de presunção de receita do lucro presumido nas operações com softwares.

A motivação da consulta é natural — no ano de 2021, a longa discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a tributação dos softwares teve fim. Decidiu-se, no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade n. 1945 e 5659, que todas as operações com softwares seriam consideradas prestações de serviço, independentemente do seu grau de customização, alterando substancialmente o modelo de tributação desses produtos, em âmbito federal, inclusive.

O julgamento tornou a classificação das operações dos softwares obsoleta. Até esse momento, a tributação desses produtos dependia da sua adequação em um desses três modelos: (i) operações de disponibilização de softwares prontos, sem adaptação ao cliente, chamados “de prateleira”; (ii) softwares confeccionados por encomenda, com altos níveis de personalização e (iii) softwares mistos, customizáveis. Apenas o segundo era considerado, com certeza, uma prestação de serviço.

Considerar todas essas operações como serviço, e não mais como venda de mercadoria, levantou dúvidas no contribuinte sobre o cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido, já que é necessária a aplicação de coeficientes sobre a receita bruta, definidos com base no tipo de atividade. No caso de prestação de serviço, esse coeficiente é de 32% para o IRPJ e para a CSLL, ao passo que, nas vendas de mercadoria, corresponde a 8%, no caso do primeiro, e 12%, no segundo.

O novo enquadramento acarretaria, portanto, significativo aumento na carga tributária para o contribuinte que se encaixa nas classificações “i” e “iii” descritas anteriormente.

Vê-se, porém, que a manifestação da Receita Federal garante uma tributação menor nesses casos. De fato, apesar da solução de consulta não ter sido elaborada pela Cosit, esvaziando, assim, qualquer efeito vinculativo para além das partes envolvidas, ela reforça que, para o órgão, nada mudou com o julgamento do STF — a divisão entre softwares de prateleira, customizáveis e por encomenda permanece.

O descompasso é boa notícia para o contribuinte no que diz respeito à aplicação, por parte da Receita, do mesmo entendimento nos casos semelhantes, em que a mudança no tipo de serviço acarretaria piora na situação do contribuinte. Exemplo disso é a tributação pelo sistema do Simples Nacional, que poderia sofrer aumento significativo de carga tributária com a mudança, devido, também, às alíquotas aplicáveis ao comércio e à prestação de serviço. Outro caso é o de importação de softwares, tendo em vista que o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) não incide sobre mercadoria[1], mas incide sobre prestações de serviço.

Apesar do que soa como notícia positiva, é importante salientar que o desacordo entre STF e RFB sobre a matéria pode dar sinal de que a discussão sobre a tributação dos softwares ainda pode ressurgir nos tribunais, por meio de discussões análogas, como as de serviços Over the top e de SaaS (Software as a service), colocando o contribuinte, uma vez mais, em situação de incerteza sobre a sua tributação.


[1] Não há previsão legal que pudesse incidir o imposto em questão sobre os “softwares de prateleira”, nos termos do RIR/1999” – Decreto nº 3.000/1999, entendimento sedimentado na Solução de Divergência nº 27, Coordenação Geral de Tributação (“COSIT”), em 30.05.2008. A posição não muda ainda que o software seja obtido por meio de download (Solução de Consulta Disit/SRRF06 nº 78, de 30 de julho de 2013), desde que não tenha sido feito sob encomenda.