No dia 16 de agosto de 2022, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou o REsp 1.986.304/RS[1] ao rito dos recursos repetitivos para discutir a seguinte questão jurídica: “a possibilidade de incidência do Imposto de Renda (IR) retido na fonte e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre o total dos rendimentos e ganhos líquidos de operações financeiras, ainda que se trate de variações patrimoniais decorrentes de diferença de correção monetária” (Tema 1.160).
QUAL É O CASO?
O Recurso Especial paradigma da atual discussão foi interposto pelo contribuinte com o objetivo de impugnar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em seu voto vencedor, a desembargadora relatora definiu que é legítima a incidência de IR e CSLL sobre a parcela da correção monetária e que não seria relevante discutir sobre eventuais ganhos ou perdas do “poder de compra”, já que não impactam na composição da base de cálculo do IR e da CSLL.
Por outro lado, o contribuinte afirma que o mecanismo da correção monetária é mero instrumento de preservação do valor real da moeda desvalorizada pela inflação. Além disso, toma como fundamento os julgamentos do RE n. 855.091/RS[2] e do RE n. 1.063.187/SC[3], os quais estabeleceram que não incide IR sobre juros de mora e Taxa Selic. Nos termos da jurisprudência do STJ, também alerta que a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é o lucro real, excluído o lucro inflacionário.
A Fazenda Nacional, por sua vez, reitera a argumentação do acórdão recorrido no sentido de que não se deve excluir da base de cálculo dos tributos debatidos os valores relativos à parcela da correção monetária nos rendimentos de aplicações financeiras.
Durante a proposta de afetação do Recurso Especial, o ministro relator Mauro Campbell Marques salientou a presente ou potencial multiplicidade de processos com idêntica questão de direito.
Mais importante ainda, fez questão de ressaltar que “é de conhecimento geral que [o] Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento pacífico por suas duas Turmas de Direito Tributário e pela Seção no sentido da possibilidade de tributação”.
O relator não poupou críticas ao dizer que a litigância em volta do tema tem sido encorajada pela interpretação e aplicação equivocada do próprio STJ e de outros tribunais, oriunda do uso errôneo de precedentes que se referem à tributação do lucro inflacionário prevista no art. 21, da Lei n. 7.799/89, e da interpretação ampliativa dada aos precedentes em sede de repercussão geral do STF: RE n. 855.091/RS (Tema n. 808) e RE n. 1.063.187/SC (Tema n. 962).
O QUE ESPERAR DESSE JULGAMENTO?
Os enfáticos comentários do ministro relator, de fato, não se mostram favoráveis ao contribuinte e podem ser interpretados como o sinal da fixação de uma tese pró-fisco. No entanto, a questão objeto desse julgamento não é tão pacífica quanto o julgador parece expor.
Nem todos os casos citados foram julgados de forma unânime em favor da União. A título de exemplo, o AgInt no REsp 1.660.363/SC, julgado em 11 de maio de 2021, suscita interessantes argumentos divergentes aos apresentados pela Fazenda Nacional.
Não se pode deixar de notar as relevantes lições da ministra Regina Helena Costa sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva em seu voto-vista. Em sua visão, “a inflação (…) provoca o crescimento nominal do capital, acarretando uma riqueza numérica, falsa; portanto, sua tributação significa ignorar a efetividade da capacidade contributiva a ser considerada”.
Desse modo, a tese jurídica exposta pela ministra na Primeira Turma do STJ tem alta probabilidade de ser invocada no julgamento do Tema 1.160 pela Primeira Seção, composta pelos ministros das Primeira e Segunda Turmas.
Não há motivos para surpresa caso o STJ passe a entender que “a atualização monetária configura tão somente a recomposição do valor da moeda, não traduzindo efetivo ganho ou remuneração de capital”, posição capitaneada pela ministra Regina Helena Costa, protagonista de outras importantes teses tributárias pró-contribuinte na corte.[4]
Diante da complexidade do tema, a análise e o acompanhamento por um advogado especialista são imprescindíveis para a aplicação correta dos novos entendimentos jurisprudenciais fixados pelos tribunais.