Temas 962 e 981 do STJ: impacto na responsabilidade do administrador e na autonomia patrimonial da pessoa jurídica

As discussões reforçam a maneira com que o administrador deve pensar sua relação com a empresa, assim como as medidas necessárias para evitar autuações

Por Gustavo Roseira — , 31 de March de 2022
Em: Responsabilidade Tributária

Recentemente, o STJ colocou em sua pauta para julgamento o Tema 981, sob o rito dos recursos repetitivos, em que se discute a responsabilidade do sócio administrador nas situações em que, apesar de figurar nessa posição na época da dissolução irregular da sociedade, não figurava na época do fato gerador do tributo não pago.

Essa discussão deve seguir o mesmo teor do Tema 962, julgado em 2021 pelo STJ, em que, por unanimidade de votos, foi reconhecida a necessidade de o sócio-gerente exercer essa função na época da dissolução da sociedade, mesmo que tenha exercido na época do fato jurídico tributário.

Ambos os julgados trazem para discussão o estudo sobre a responsabilidade tributária, afinal, quais são os requisitos para que o sócio-gerente ingresse na posição de responsável na relação jurídico-tributária? E, seria essa ingerência na separação patrimonial entre sócio e pessoa jurídica uma quebra na autonomia patrimonial da segunda?

Mitigação da autonomia da empresa?

A comunicabilidade patrimonial entre a pessoa jurídica e seu sócio tem caráter excepcional no sistema jurídico brasileiro. O Código Civil prevê a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação aos seus sócios, associados, instituidores ou administradores (art. 49-A)[1]. É notável que o legislador se preocupou em delimitar de maneira precisa as situações em que essa separação seria mitigada.

A preocupação é natural. A separação entre o patrimônio do sócio e o da pessoa jurídica é parte integrante da atividade econômica empresarial, sendo mitigada apenas em situações excepcionais.

Uma das situações em que a legislação excepciona essa regra está disposta no art. 135 do CTN, sendo ela objeto de discussão pelo STJ. Nessa hipótese, consoante jurisprudência do STJ[2], o sócio administrador responde solidariamente à empresa quando incorre em uma das condutas elencadas no dispositivo.

A responsabilidade de terceiros

De fato, a responsabilidade tributária trazida pelo artigo 135 do CTN, relaciona-se com a necessidade de uma conduta (infração) que, a partir de um fato jurídico tributário, implica na inclusão do sujeito que praticou determinada conduta no polo passivo da relação jurídico tributária, submetendo-se à sanção correspondente à totalidade do passivo fiscal.

Efetivamente, nesse caso é necessário conduta relacionada ao excesso de poderes, ou, ainda, infração de lei, contrato social/estatuto, e dissolução irregular. Mais que isso, é preciso que exista dolo, ou seja, frequência, voluntariedade, complexidade e consequência na ação e, por último, o chamado nexo causal, ou seja, a relação de causa e consequência entre a ação e o não pagamento do tributo.

De fato, nos termos da doutrina:

“[…] a pessoa física não pode ser responsabilizada nos termos do art. 135 do CTN simplesmente porque é sócia ou administradora, deverá ser plenamente comprovada sua autoria na prática do ato que lhe está sendo imputado, ou ao menos sua decisão pela prática do ato.[3]

É esse tipo específico de responsabilidade que está sob discussão no Superior Tribunal de Justiça, já tendo sido objeto de debate em uma série de julgados na Corte Superior[4], particularmente no que concerne à dissolução irregular da pessoa jurídica[5]. De maneira resumida, os julgados tratam de três possíveis hipóteses para caracterização da responsabilidade infracional:

      • presença do sócio-gerente na época da dissolução irregular, mesmo que não gerisse a empresa na época do fato gerador dos tributos inadimplidos (Tema 981);
      • presença do sócio-gerente tanto na época do fato gerador dos tributos inadimplidos, quanto na época da dissolução irregular (Tema 981);
      • presença do sócio-gerente no tempo dos fatos geradores, ainda que não gerisse a empresa na época da dissolução irregular (Tema 962).

Como mencionado, a hipótese “iii” já foi decidida pelo STJ quando julgou o Tema 962, seguindo a linha jurisprudencial do Tribunal, reforçada pela súmula 430: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”

No recurso especial interposto pela Fazenda, esta sustentava a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, levando em conta a dissolução irregular da pessoa jurídica executada, ainda que o sócio administrador que exercia a sua gerência na época do fato gerador não tenha dado causa ao ilícito, tendo se retirado antes da dissolução irregular.

Em contrassenso aos argumentos fazendários, os ministros do STJ decidiram, por unanimidade, que o débito tributário deve recair sobre aquele que pratica o fato ensejador da responsabilidade, ou seja, confirmou-se o entendimento de que o inadimplemento não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

A decisão vai ao encontro da doutrina, aqui representada por Maria Rita Ferragut, conforme escreve em Responsabilidade tributária:

Finalmente, é necessário definir qual pessoa seria a responsável no caso da dissolução: o sócio da época do fato gerador (infração vinculada ao não pagamento do tributo), ou o da dissolução propriamente dita. Não temos dúvidas em afirmar ser tão somente o responsável pela dissolução irregular, já que foi este ilícito que autorizou o redirecionamento (deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes). E se esse foi o ilícito, e a responsabilidade não pode ultrapassar a pessoa do infrator (art. 5º, XLV, da CF) não há como validamente sustentar que o sócio/administrador que se relacionar tão somente com a inadimplência possa ser corresponsabilizado pela dissolução irregular.[6]

Com o julgado, tem-se, portanto, um dos elementos importantes para caracterizar os requisitos para a responsabilidade tributária em questão: é necessária a presença do elemento “infração”.

O próximo passo é investigar se, além disso, também é essencial que o sócio administrador possua relação com o fato jurídico tributário, ou seja, com o fato que motivou o débito junto à Fazenda.

Esse é o centro da discussão do Tema 981 do STJ, conforme mostrou-se nas hipóteses “i” e “ii” acima elencadas. A Corte Superior infraconstitucional terá que optar por uma dessas situações, descartando ou não a necessidade de participação no inadimplemento para a consequente responsabilização, considerando a existência da conduta específica elencada no artigo 135.

Pelo histórico de decisões da Corte, é provável que prevaleça a primeira hipótese. A responsabilidade tributária prevista no artigo 135 do CTN não está baseada no inadimplemento do tributo, conforme fixado em diversos precedentes do STJ, mas na conduta do sócio administrador. É a necessidade de uma conduta ilícita, por parte da pessoa física, o cerne que motiva as decisões do STJ.

Os impactos para o sócio administrador e o redirecionamento da execução

A jurisprudência do STJ aponta, portanto, para a possibilidade de a Fazenda Pública realizar o redirecionamento da execução na pessoa jurídica, na pessoa do sócio administrador que tenha praticado uma das condutas previstas pelo artigo 135 do CTN.

Efetivamente, independentemente de o nome do sócio administrador constar na CDA, ele poderá ser adicionado posteriormente. Isso, porque o responsável tributário é sujeito passivo a partir da ocorrência do ilícito, independentemente de seu nome constar na certidão de dívida ativa. Será necessário, porém, que a Fazenda demonstre o cometimento de ilícito pelo sócio, a fim de que atualize a CDA, sob pena de violação ao art. 202 do CTN e art. 2º. 5º da LEF.

Não há como ignorar o fato de que a jurisprudência do STJ vem se solidificando no sentido de ser possível realizar o redirecionamento da execução, com base na responsabilidade sancionatória do artigo 135, sendo necessária a presença da conduta sancionada, bem como de dolo e nexo causal, impossibilitando a responsabilização meramente confiscatória, em flagrante atentado às garantias constitucionais.

Conclusão – O que fazer?

As decisões reforçam a noção aqui reiterada – utilizando como recurso a doutrina de Comparato e Salomão Filho[7] – de que a separação patrimonial entre pessoa jurídica e o sócio é utilizada pelo ordenamento para alcançar determinados objetivos práticos, visando o próprio desenvolvimento da atividade econômica.

Não se trata de um direito absoluto e, ainda mais, não deve ser utilizado como ferramenta para a exposição da própria empresa. Natural, portanto, que a responsabilidade por uma infração recaia sobre o sócio-gerente praticante da conduta. Todavia, essa noção reforça a necessidade da presença de uma conduta ilícita por parte do sócio-gerente, e não do mero inadimplemento do tributo pela pessoa jurídica, conforme tem entendido o STJ.

Nesse contexto, é importante que o sócio-gerente tenha clareza de que, apesar de a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional delimitarem de maneira bastante importante o que é o patrimônio da empresa e o que é patrimônio do sócio, é possível que a responsabilidade das dívidas da empresa recaiam sobre o patrimônio pessoal do sócio nos casos elencados pelo artigo 135 do CTN.

Dessa forma, é importante que a empresa se resguarde, tomando medidas preventivas de atos ilícitos, por meio da adoção de medidas de compliance e cuidadoso planejamento tributário. Igualmente, necessário que essas medidas sejam adotadas também pelo sócio administrador, inclusive com a formalização de seu ingresso e saída na pessoa jurídica, por meio de adequada consultoria jurídica.

 





[1] Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

[2] REsp 174.532/PR.

[3] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária. São Paulo: Noeses, 4 ed., 2020, p. 131.

[4] EREsp 100.739/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, DIU de 28/02/2000; EAg 1.105.993/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe de 01/02/2011; AgRg no Ag 1.346.462/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 24/05/2011; REsp 1.463.751/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25/09/2014; REsp 1224017/PR, Rel. Ministra Assussete Magalhães, Segunda Turma, j. 22/03/2022.

[5] Súmula 435 do STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente.

[6] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária. São Paulo: Noeses, 4 ed., 2020, p. 130.

[7] Id., p. 392.